A TV Globo conseguiu reduzir o valor da indenização que terá de pagar a um técnico em eletrônica do RJ que apareceu no quadro Pegadinha do Consumidor, do programa Domingão do Faustão, em 2001. A 4ª turma do STJ reconheceu o dano moral contra o profissional, principalmente porque o programa não utilizou recursos para distorcer a voz ou ocultar a imagem do técnico. A turma, no entanto, reduziu o valor da indenização de R$ 100 mil para R$ 30 mil.
O alvo da pegadinha era testar a honestidade dos profissionais de eletrônica. Uma atriz, fazendo-se passar por dona de casa, chamou técnicos aleatoriamente para apresentarem orçamento do conserto de uma televisão. A produção havia apenas queimado um fusível do aparelho, cuja troca teria custo irrisório. As sugestões de reparo e orçamento, no entanto, foram as mais variadas.
Um dos técnicos alegou que não havia permitido o uso de sua imagem e afirmou ainda que teve sua personalidade denegrida e exposta ao ridículo, além da desconfiança gerada na empresa e entre seus clientes, assim, ajuizou ação por danos morais contra a Globo.
O ministro Raul Araújo, relator do recurso, ressaltou que deve ser feita a ponderação entre o direito à informação e o direito à imagem. Segundo ele, o uso da imagem é restrito e depende de expressa autorização, sendo facultado à pessoa impedi-lo. Portanto, a imagem do profissional foi utilizada de forma indevida. Poderia a emissora ter usado recursos para camuflar rosto e voz dos envolvidos e assim ocultar suas identidades.
Por mais que o programa tivesse caráter informativo, explica o ministro Raul Araújo, o direito à imagem do técnico foi violado. Foi possível, durante a exibição do quadro, reconhecer a pessoa que não autorizou a exibição. “A simples utilização da imagem, sem o consentimento do interessado, gera o direito ao ressarcimento das perdas e danos“, afirmou.
- Processo relacionado: REsp 794.586
Veja a íntegra da decisão.
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RECURSO ESPECIAL Nº 794.586 – RJ (2005/0183443-0)
RELATOR: MINISTRO RAUL ARAÚJO
RECORRENTE: TV GLOBO LTDA
ADVOGADO: JOSÉ PERDIZ DE JESUS E OUTRO(S)
RECORRIDO: NATAL PIRES DA SILVA
ADVOGADO: JADER BEZERRA DE REZENDE
EMENTA
RECURSO ESPECIAL. PROCESSUAL CIVIL. CIVIL. DANO À IMAGEM. DIREITO À INFORMAÇÃO. VALORES SOPESADOS. OFENSA AO DIREITO À IMAGEM. REPARAÇÃO DO DANO DEVIDA. REDUÇÃO DO QUANTUM REPARATÓRIO. VALOR EXORBITANTE. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO.
- A ofensa ao direito à imagem materializa-se com a mera utilização da imagem sem autorização, ainda que não tenha caráter vexatório ou que não viole a honra ou a intimidade da pessoa, e desde que o conteúdo exibido seja capaz de individualizar o ofendido.
- Na hipótese, não obstante o direito de informação da empresa de comunicação e o perceptível caráter de interesse público do quadro retratado no programa televisivo, está clara a ofensa ao direito à imagem do recorrido, pela utilização econômica desta, sem a proteção dos recursos de editoração de voz e de imagem para ocultar a pessoa, evitando-se a perfeita identificação do entrevistado, à revelia de autorização expressa deste, o que constitui ato ilícito indenizável.
- A obrigação de reparação decorre do próprio uso indevido do direito personalíssimo, não sendo devido exigir-se a prova da existência de prejuízo ou dano. O dano é a própria utilização indevida da imagem.
- Mesmo sem perder de vista a notória capacidade econômico-financeira da causadora do dano moral, a compensação devida, na espécie, deve ser arbitrada com moderação, observando-se a razoabilidade e a proporcionalidade, de modo a não ensejar enriquecimento sem causa para o ofendido. Cabe a reavaliação do montante arbitrado nesta ação de reparação de dano moral pelo uso indevido de imagem, porque caraterizada a exorbitância da importância fixada pelas instâncias ordinárias. As circunstâncias do caso não justificam a fixação do quantum reparatório em patamar especialmente elevado, pois o quadro veiculado nem sequer dizia respeito diretamente ao recorrido, não tratava de retratar os serviços técnicos por este desenvolvidos, sendo o promovente da ação apenas um dos profissionais consultados aleatoriamente pela suposta consumidora.
- Nesse contexto, reduz-se o valor da compensação.
- Recurso especial parcialmente provido.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos, em que são partes as acima indicadas, decide a Quarta Turma, por unanimidade, dar parcial provimento ao recurso especial, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. Os Srs. Ministros Maria Isabel Gallotti, Antonio Carlos Ferreira e Luis Felipe Salomão votaram com o Sr. Ministro Relator. Ausente, justificadamente, o Sr. Ministro Marco Buzzi. Sustentou, oralmente, o Dr. José Perdiz de Jesus, pela parte recorrente.
Brasília, 15 de março de 2012 (Data do Julgamento)
MINISTRO RAUL ARAÚJO
Relator
RELATÓRIO
O SENHOR MINISTRO RAUL ARAÚJO:
Trata-se de recurso especial interposto por TV GLOBO LTDA com fundamento no art. 105, III, a e c, da Constituição Federal, contra acórdão, proferido pelo colendo Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, assim ementado:
“APELAÇÃO CÍVEL.
Reparação por danos morais.
Exposição da imagem do autor, pela ré, ora apelada – TV Globo – em programa de televisão, na tentativa de demonstrar uma suposta ilegalidade em conserto de televisor, sem qualquer autorização.
Sentença que condenou a apelada ao pagamento de danos morais que merece ser mantida.
Danos morais razoavelmente fixados.
Recurso desprovido.” (fl. 172, e-STJ)
Os embargos de declaração opostos foram rejeitados.
Em suas razões recursais (fls. 207/230, e-STJ), a ora recorrente aponta, além de divergência jurisprudencial, violação aos arts. 20, § 3º, 333, I, e 535, II, do Código de Processo Civil, ao art. 1º da Lei de Imprensa e ao art. 186 do Código Civil de 1916.
Afirma, inicialmente, que a colenda Corte estadual omitiu-se na análise de temas essenciais ao deslinde da questão e, oportunamente, suscitados pela parte na ocasião da apresentação dos embargos de declaração, quais sejam: “a) omitiu-se a respeito do programa de realizar uma reportagem efetivamente esclarecedora sobre os direitos do consumidor, tendo, inclusive, a recorrente convidado para participar do programa o superintendente do Procon do Estado do Rio de Janeiro, o qual expôs ao público como proceder no caso da compra de um aparelho defeituoso, esclarecendo os direitos do consumidor; b) não se manifestou que em nenhum momento foi feita qualquer referência desabonadora ao recorrido, e sequer ter sido mencionado seu nome, tendo o apresentador do programa ressaltado que na verdade o objetivo da reportagem ‘não era execrar ninguém’, ‘não era colocar ninguém em julgamento’, mas sim mostrar ao telespectador e, especialmente, ao público em geral, como selecionar o bom profissional; c) o v. acórdão também restou omisso quanto à aplicação dos temas de direito expostos na apelação da embargante, no que tange a liberdade no exercício do direito-dever de bem informar, previsto nos artigos 5º, incisos IV, IX e XIV, e 220 da Constituição Federal, bem como sobre a inexistência de demonstração do dano moral, cujo ônus incumbia ao recorrido (violação ao art. 333, I, do CPC), além da necessária redução do quantum indenizatório, pela aplicação dos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, sob pena de se gerar o enriquecimento indevido, e da excessiva fixação de honorários (com violação ao art. 20 do CPC), impondo-se o provimento dos embargos, a fim de que fossem enfrentados esses aspectos sob a ótica das citadas disposições legais, para efeitos de prequestionamento; d) não enfrentou a questão referente à inexistência de ato ilícito (art. 186 do Código Civil), quando a matéria jornalística divulga fato verdadeiro (como acontece na hipótese versante), na esteira da consolidada jurisprudência pátria, citada no item 32 das razões de apelação da recorrente.”
No mérito, aduz a manifesta inexistência de ilicitude, tendo sido o ato praticado no âmbito do legítimo exercício do ius narrandi e informandi, na medida em que a recorrente limitou-se a veicular matéria jornalística absolutamente isenta e informativa sobre os direitos dos consumidores, “sendo certo que, em nenhum momento, pretendeu atingir a honra do recorrido, não tendo havido qualquer abuso no exercício da liberdade de informação“. Afirma, ademais, que incumbiria ao recorrido o ônus de comprovar a existência do dano.
Requer, assim, com base nessas premissas, seja afastada a condenação por danos morais, julgando-se improcedente o pedido formulado na exordial, e, alternativamente, seja reduzido o montante indenizatório, fixado em cem mil reais (R$ 100.000,00), a fim de se evitar o enriquecimento sem causa do autor da ação de reparação de dano moral pelo uso indevido de imagem.
Por fim, pleiteia que os honorários advocatícios sejam fixados com base no valor da condenação, e não da causa, nos termos do art. 20, § 3º, do CPC. Salienta ser devida, inclusive, a redução da verba honorária, para o limite mínimo de 10% sobre o valor da condenação.
Transcorreu in albis o prazo para apresentação de contrarrazões (fl. 347, e-STJ).
Não tendo sido admitido o recurso especial na origem, subiram os autos por força do provimento de agravo de instrumento pelo Superior Tribunal de Justiça (fls. 348/353 e 365, e-STJ).
É o relatório.
VOTO
O SENHOR MINISTRO RAUL ARAÚJO (Relator):
Segundo relatado pelas instâncias ordinárias, com base no acervo fático-probatório dos autos, o alegado dano moral por uso indevido de imagem ocorreu em quadro denominado “Pegadinhas do Consumidor”, apresentado em programa televisivo de grande audiência nas tardes de domingo, transmitido pela ora recorrente, TV GLOBO LTDA, o “Domingão do Faustão”, exibido em 19 de junho de 2001.
Conforme dados colhidos pelo Juízo a quo, inclusive em exibição de vídeo do programa em audiência de instrução e julgamento, o quadro, invocando a intenção de esclarecer a população sobre os direitos do consumidor, consistiu no seguinte:
I – um técnico em eletrônica, com alegados doze anos de experiência no mercado, retirou um fusível de determinado aparelho de televisão, colocando em seu lugar um outro queimado, com o que bastaria a troca do fusível, por técnico especializado, para o conserto do televisor (mencionou-se que o valor do referido produto seria entre R$ 0,15 e R$ 0,30);
II – com base em encenação por atriz, que se fazia passar por dona de casa, convidavam-se técnicos até a suposta residência, pedindo que avaliassem o defeito e informassem o orçamento para conserto do problema do televisor;
III – foram ouvidos vários profissionais, entre eles o autor da ação de reparação de dano, o ora recorrido, todos apresentando diversas opiniões sobre o defeito encontrado no aparelho e a respectiva solução, com o orçamento;
IV – ao lado do apresentador do programa, que narrava a situação, estava uma pessoa identificada como Secretário de Defesa do Consumidor do Estado do Rio de Janeiro, representando o PROCON, o qual tecia comentários sobre as condutas dos técnicos chamados a participar do quadro “simulado”;
V – por fim, o apresentador do programa comentou o quadro, afirmando que o consumidor deveria procurar o bom profissional, aquele que fosse competente e honesto.
Como dito, um dos técnicos que participou do quadro é o autor desta ação, ora recorrido. Nos termos delineados na r. sentença: “(…) exibida a fita do programa em tela, na parte que nos interessa temos que a imagem do autor – inclusive com seus cabelos relativamente compridos – foi regularmente focalizada, sua voz gravada e sua conduta exibida para o público. Mais ainda, deixou de exibir a firma ré qualquer autorização emanada pelo autor de concordância do mesmo em ver exibida sua imagem em programa de responsabilidade daquela, programa inquestionavelmente de grande divulgação, pelo que se entende ausência de concordância do autor em se ver gravado e ter sua imagem divulgada (…) a figura do autor foi focalizada de maneira clara e direta pela câmera oculta, sendo gravado o diálogo que o mesmo travava com a atriz que desempenhava o papel de uma dona de casa, restando patente o fato de que não estava ele, autor, ciente da situação de simulação à qual estava sendo submetido (…). Não entende o juízo qual o referencial ou o comando legal sobre o qual a empresa ré se apoiou para se outorgar o direito de expor o autor (eis que o presente feito se refere apenas a ele) sem o consentimento deste, de forma pública, mostrando de maneira insofismável suas feições e apontando-o de mau profissional ou de profissional desonesto, via exposição da sua imagem sem seu consentimento” (fls. 108/115, e-STJ, grifou-se).
Com base nessa situação, o ora recorrido ajuizou ação de reparação de dano moral por uso indevido de imagem, alegando que não havia autorizado a transmissão de sua imagem no programa, cuja filmagem foi realizada à sua revelia. Ademais, aduziu que teve sua imagem denegrida e exposta ao ridículo, além da desconfiança gerada na empresa em que trabalha e na clientela.
Em sua defesa, alega a ora recorrente, quanto ao mérito da responsabilidade, que: (a) a finalidade do quadro do programa era informativa, destinada ao esclarecimento dos direitos do consumidor; (b) não houve nenhuma referência desabonadora ao recorrido, cujo nome nem sequer foi mencionado; (c) é garantida a liberdade de informação; (d) a matéria jornalística divulgou fato verdadeiro; (e) não houve abuso no exercício da liberdade de informação.
Feitos esses delineamentos, passa-se ao exame da controvérsia.
De início, não prospera a alegada ofensa ao art. 535 do Código de Processo Civil, pois, conforme se vê nos argumentos trazidos nos embargos de declaração opostos contra o acórdão que julgou a apelação, nenhum deles se mostra capaz de afastar a conclusão a que chega a colenda Corte de origem, pelos fundamentos que adota, suficientes para o deslinde da demanda, decidindo integralmente o litígio.
É indevido, assim, ter-se como existente omissão ou contradição no julgado apenas porque decidido em desconformidade com os interesses da parte (AgRg no REsp 1.170.313/RS, Relatora a Ministra LAURITA VAZ, DJe de 12.4.2010; REsp 494.372/MG, Relator o Ministro ALDIR PASSARINHO JUNIOR, DJe de 29.3.2010, AgRg nos EDcl no AgRg no REsp 996.222/RS, Relator o Ministro CELSO LIMONGI – Desembargador convocado do TJ/SP -, DJe de 3/11/2009).
Quanto ao mérito, no tocante à alegada liberdade de imprensa e ao animus informandi, trazidos como teses da defesa, entende-se que há de ser feita ponderação entre o direito à informação e o direito à imagem, levando-se em consideração as premissas do caso concreto firmadas pela colenda Corte de origem.
A própria Constituição Federal destaca a importância desses direitos como primados do Estado Democrático, especialmente em seus:
“Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
……………………………………………………………….
V – é assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização por dano material, moral ou à imagem;
……………………………………………………………….
IX – é livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença;
X – são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação;
………………………………………………………………..
XIV – é assegurado a todos o acesso à informação e resguardado o sigilo da fonte, quando necessário ao exercício profissional;
………………………………………………………………..
XXVIII – são assegurados, nos termos da lei:
- a) a proteção às participações individuais em obras coletivas e à reprodução da imagem e voz humanas, inclusive nas atividades desportivas;
………………………………………………………………..”
“Art. 220. A manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer forma, processo ou veículo não sofrerão qualquer restrição, observado o disposto nesta Constituição.
- 1º – Nenhuma lei conterá dispositivo que possa constituir embaraço à plena liberdade de informação jornalística em qualquer veículo de comunicação social, observado o disposto no art. 5º, IV, V, X, XIII e XIV.
- 2º – É vedada toda e qualquer censura de natureza política, ideológica e artística.
……………………………………………………………….”
“Art. 221. A produção e a programação das emissoras de rádio e televisão atenderão aos seguintes princípios:
I – preferência a finalidades educativas, artísticas, culturais e informativas;
………………………………………………………………”
Como se vê, o direito de imagem, de consagração constitucional, é de uso restrito, somente sendo possível sua utilização por terceiro quando expressamente autorizado e nos limites da finalidade e das condições contratadas. Com efeito, o direito à imagem consiste no direito que a pessoa tem de impedir que outrem utilize, sem seu consentimento, sua “expressão externa” – “conjunto de traços e caracteres que a distinguem e a individualizam” (BITTAR, Carlos Alberto. Contornos atuais do direito do autor. 2ª ed., rev., atual. e ampl., São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999, p. 212).
Ao tratar do direito à imagem, leciona o insigne doutrinador que “isso se conforma à própria natureza do direito em tela, que se relaciona à faculdade que a pessoa tem de escolher as ocasiões e os modos pelos quais deve aparecer em público. Baseia-se, como os demais direitos dessa ordem, no respeito à personalidade humana, tendo sua origem histórica no denominado ‘right of privacy’, evitando-lhe exposições públicas não desejadas. Mas, com a evolução, acabou por assumir contornos próprios, envolvendo a defesa da figura humana em si, independentemente do local em que se encontra, consistindo, em essência, no direito de impedir que outrem se utilize – sem prévia e expressa anuência do titular, em escrito revestido das formalidades legais – de sua expressão externa, ou de qualquer dos componentes individualizadores” (BITTAR, Carlos Alberto. Os direitos da personalidade. 7ª ed., rev. e atual., Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2004, pp. 95/96).
Por outro lado, na convivência democrática, é natural que surjam conflitos entre o direito de imagem e os de liberdade de informação. O grande desenvolvimento tecnológico propicia fácil captação e transmissão de imagens, seja por meio da televisão, da internet e outras formas legítimas de publicação, divulgação e informação, colocando, assim, em polos opostos o titular do direito à imagem e a imprensa no exercício do direito de informação.
Acerca da temática, salienta ANDERSON SCHEREIBER:
“A ponderação consiste, assim, em sopesar, no caso concreto, o grau de realização do interesse lesivo (liberdade de informação) com o grau de sacrifício do interesse lesado (direito à imagem). Trata-se, em outras palavras, de verificar se, naquelas condições concretas, o grau de realização do interesse lesivo justifica o grau de afetação do interesse lesado.
(…)
Em termos gerais, podem-se indicar os seguintes parâmetros para aferir o grau de realização do exercício da liberdade de informação por meio da veiculação de imagens: (i) o grau de utilidade para o público do fato informado por meio da imagem; (ii) o grau de atualidade da imagem; (iii) o grau de necessidade da veiculação da imagem para informar o fato; e (iv) o grau de preservação do contexto originário onde a imagem foi colhida. Para aferir a intensidade do sacrifício imposto ao direito à imagem, cumpre verificar: (i) o grau de consciência do retratado em relação à possibilidade de captação da sua imagem no contexto de onde foi extraída; (ii) o grau de identificação do retratado na imagem veiculada; (iii) a amplitude da exposição do retratado; e (iv) a natureza e o grau de repercussão do meio pelo qual se dá a divulgação da imagem.
Como deriva de um sopesamento, o resultado da ponderação varia inevitavelmente conforme as circunstâncias do caso concreto, pendendo ora para a proteção da imagem, ora para a tutela da liberdade de informação.
(…)
Além dos critérios aqui propostos, outros podem assumir relevância diante das circunstâncias concretas do conflito. Pode até mesmo ocorrer que outros direitos da personalidade estejam em jogo, como o direito à honra e o direito à privacidade, atraindo parâmetros próprios.” (“Direitos da Personalidade“. São Paulo: Atlas, 2011, pp. 109/110)
No caso em apreço, de um lado, há o direito da parte ré de fornecer ao público, de forma atraente e criativa, informações, advertências e orientações úteis acerca de seus interesses como consumidores. Então, por meio da exibição do referido quadro, alertava-se o público sobre os riscos na contratação de serviços técnicos para conserto de aparelhos domésticos, havendo inegável interesse público na divulgação daquele quadro.
De outro lado, como salientou a r. sentença, quando reconheceu a violação do direito à imagem do autor: (I) a filmagem ocorreu à sua revelia e não houve autorização prévia ou posterior do autor da ação para a divulgação das imagens; (II) a imagem do autor foi bem focalizada, o que permitia sua individualização; (III) não foram utilizados recursos de editoração de voz e imagem para ocultar a pessoa (fl. 113, e-STJ); (IV) não houve oportunidade para contraditório por parte dos técnicos ouvidos, os quais poderiam pretender ter prova de que o televisor apresentava apenas o defeito do fusível ou até de que se tratava do mesmo televisor cujo fusível fora trocado (fl. 111, e-STJ).
Desses elementos, pode-se inferir que, não obstante o caráter informativo do programa televisivo e seu perceptível interesse público, ficou clara a ofensa ao direito à imagem do ora recorrido, mormente porque, na hipótese, foi possível, com a exibição do quadro, fazer a exata individualização da pessoa do técnico, ora recorrido, por sua imagem, voz e caracteres, e, associado a esse fator, não houve sua autorização para exibição de imagem no dito programa televisivo.
A ofensa ao direito à imagem materializa-se com a mera utilização da imagem sem autorização, ainda que não tenha caráter vexatório ou que não viole a honra ou a intimidade da pessoa, e desde que o conteúdo exibido seja capaz de individualizar a pessoa.
A simples utilização da imagem – aqui entendida como “conjunto de traços e caracteres que a distinguem e a individualizam” -, sem o consentimento do interessado, gera o direito ao ressarcimento das perdas e danos. A imagem é, pois, inviolável, exceto quando autorizada ou necessária à administração da justiça ou à manutenção da ordem pública (CC/2002, art. 20).
Esta é a jurisprudência, há muito, consagrada nesta Corte de Justiça:
“DIREITO À IMAGEM. CORRETOR DE SEGUROS. NOME E FOTO. UTILIZAÇÃO SEM AUTORIZAÇÃO. PROVEITO ECONÔMICO. DIREITOS PATRIMONIAL E EXTRAPATRIMONIAL. LOCUPLETAMENTO. DANO. PROVA. DESNECESSIDADE. ENUNCIADO N. 7 DA SÚMULA/STJ. INDENIZAÇÃO. QUANTUM. REDUÇÃO. CIRCUNSTÂNCIAS DA CAUSA. HONORÁRIOS. CONDENAÇÃO. ART. 21, CPC. PRECEDENTES. RECURSO PROVIDO PARCIALMENTE.
I – O direito à imagem reveste-se de duplo conteúdo: moral, porque direito de personalidade; patrimonial, porque assentado no princípio segundo o qual a ninguém é lícito locupletar-se à custa alheia.
II – A utilização da imagem de cidadão, com fins econômicos, sem a sua devida autorização, constitui locupletamento indevido, ensejando a indenização.
III – O direito à imagem qualifica-se como direito de personalidade, extrapatrimonial, de caráter personalíssimo, por proteger o interesse que tem a pessoa de opor-se à divulgação dessa imagem, em circunstâncias concernentes à sua vida privada.
IV – Em se tratando de direito à imagem, a obrigação da reparação decorre do próprio uso indevido do direito personalíssimo, não havendo de cogitar-se da prova da existência de prejuízo ou dano. O dano é a própria utilização indevida da imagem, não sendo necessária a demonstração do prejuízo material ou moral.
V – A indenização deve ser fixada em termos razoáveis, não se justificando que a reparação venha a constituir-se em enriquecimento sem causa, com manifestos abusos e exageros, devendo o arbitramento operar-se com moderação, orientando-se o juiz pelos critérios sugeridos pela doutrina e pela jurisprudência, com razoabilidade, valendo-se de sua experiência e do bom senso, atento à realidade da vida e às peculiaridades de cada caso.
VI – Diante dos fatos da causa, tem-se por exacerbada a indenização arbitrada na origem.
VII – Calculados os honorários sobre a condenação, a redução devida pela sucumbência parcial resta considerada.
VIII – No recurso especial não é permitido o reexame de provas, a teor do enunciado n. 7 da súmula/STJ.”
(REsp 267.529/RJ, Quarta Turma, Rel. Min. SÁLVIO DE FIGUEIREDO TEIXEIRA, DJ de 18/12/2000, grifo nosso)
“Direito à imagem. Utilização indevida para fins publicitários. Revelia. Limitação dos honorários de advogado, nos termos da Lei nº 1.060/50. Precedentes da Corte.
(…)
- Cuidando-se de direito à imagem, o ressarcimento se impõe pela só constatação de ter havido a utilização sem a devida autorização. O dano está na utilização indevida para fins lucrativos, não cabendo a demonstração do prejuízo material ou moral. O dano, neste caso, é a própria utilização para que a parte aufira lucro com a imagem não autorizada de outra pessoa. Já o Colendo Supremo Tribunal Federal indicou que a ‘divulgação da imagem de pessoa, sem o seu consentimento, para fins de publicidade comercial, implica em locupletamento ilícito à custa de outrem, que impõe a reparação do dano’.
(…)
- Recurso especial conhecido.”
(REsp 138.883/PE, Terceira Turma, Rel. Min. CARLOS ALBERTO MENEZES DIREITO, DJ de 5/10/1998, grifo nosso)
Foram, inclusive, esses precedentes que deram origem ao enunciado 403 da Súmula do Superior Tribunal de Justiça, segundo o qual “independe de prova do prejuízo a indenização pela publicação não autorizada de imagem de pessoa com fins econômicos ou comerciais“.
Citam-se, ainda, julgados mais recentes: REsp 1.219.197/RS, Terceira Turma, Rel. Min. SIDNEI BENETI, DJe de 17/10/2011; REsp 1.005.278/SE, Quarta Turma, Rel. Min. LUIS FELIPE SALOMÃO, DJe de 11/11/2010; AgRg no Ag 735.529/RS, Terceira Turma, Rel. Min. HUMBERTO GOMES DE BARROS, DJ de 11/12/2006.
Há precedentes desta Corte de Justiça, outrossim, delineando que a falta de autorização para exibição de imagem afasta, desde logo, discussão acerca do direito à informação, in verbis:
“Processo civil. Uso indevido de imagem em publicação jornalística.
Formação do polo passivo para a ação de compensação por danos morais. Inclusão, neste, do editor, de diretores da revista e do fotógrafo responsável pelo retrato. Inaplicabilidade da Lei de Imprensa para o deslinde da questão.
– Reiterada é a jurisprudência do STJ no sentido de que a utilização de imagem sem a devida autorização, ainda que por meio de comunicação, é questão diversa daquelas relacionadas ao exercício do direito de informação, que estão reguladas pela Lei 5250/67.
– A alegação da recorrente diz respeito à violação de sua imagem-retrato, ou seja, de sua identidade física, pela publicação não autorizada de fotografia, nos termos do inciso X do art. 5º da CF; não é de se aplicar, portanto, o regramento específico da Lei de Imprensa a questão que não diz respeito à liberdade de manifestação de pensamento e de informação.
Recurso especial provido.” (REsp 569.812/SC, Terceira Turma, Rel. Min. NANCY ANDRIGHI, DJ de 1º/8/2005, grifou-se)
“CIVIL. RESPONSABILIDADE CIVIL. DANOS MORAIS. A publicação, em jornal, de fotografia, sem a autorização exigida pelas circunstâncias, constitui ofensa ao direito de imagem, não se confundindo com o direito de informação. Agravo regimental não provido.” (AgRg no Ag 334.134/RJ, Terceira Turma, Rel. Min. ARI PARGENDLER, DJ de 18/3/2002)
De todo o exposto, mesmo reconhecendo-se, na espécie, a legítima finalidade e o interesse público do programa, conclui-se que a utilização econômica da imagem do recorrido, sem a proteção dos recursos de editoração de voz e de imagem para ocultar a pessoa, evitando a perfeita identificação do entrevistado, à revelia de autorização expressa deste, constitui ato ilícito indenizável. A obrigação de reparação decorre do próprio uso indevido do direito personalíssimo, não sendo devido exigir-se a prova da existência de prejuízo ou dano. O dano é a própria utilização indevida da imagem.
Está, assim, na hipótese em exame, configurado o dano à imagem, sendo, portanto, devida sua reparação (CC/2002, art. 12).
Resta, agora, o questionamento quanto ao valor arbitrado pelas instâncias ordinárias a título de indenização pelo dano à imagem, as quais fixaram, em 18 de junho de 2003, em R$ 100.000,00 (cem mil reais) essa reparação, com juros desde a citação ocorrida em 4 de setembro de 2002 (v. fl. 38, e-STJ).
É certo que há restrição de exame do valor indenizatório, na via estreita do recurso especial, às hipóteses em que o quantum fixado for exorbitante ou irrisório.
Sucede que, aqui, mostra-se configurada essa excepcionalidade, levando-se em conta a extensão do dano, em que se tem a ausência de maior gravidade, o grau de culpa, decorrente da falta dos cuidados de editoração de voz e imagem e as circunstâncias pessoais do ofendido, profissional técnico de eletrônica empregado de empresa desse ramo. Mesmo sem perder de vista a notória capacidade econômico-financeira da causadora do dano moral, a compensação devida, na espécie, deve ser arbitrada com moderação, observando-se a razoabilidade e a proporcionalidade, de modo a não ensejar enriquecimento sem causa para o ofendido.
Cabe a reavaliação do montante arbitrado nesta ação de reparação de dano moral pelo uso indevido de imagem, porque caraterizada a exorbitância da importância fixada pelas instâncias ordinárias, em ofensa aos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade. As circunstâncias do caso não justificam a fixação do quantum indenizatório em patamar especialmente elevado, pois o quadro veiculado nem sequer dizia respeito diretamente ao recorrido, não tratava de retratar os serviços técnicos por este desenvolvidos, sendo o promovente da ação apenas um dos profissionais consultados aleatoriamente pela suposta consumidora.
Entende-se, pois, recomendável, no contexto do caso concreto, a redução do valor da indenização para R$ 30.000,00 (trinta mil reais), com a devida incidência de correção monetária, a partir desta data, e de juros moratórios de 0,5% ao mês até a entrada em vigor do Código Civil de 2002 e de 1% ao mês a partir de então, computados desde o evento danoso (19 de junho de 2001).
Finalmente, no tocante aos honorários advocatícios, cumpre salientar que o d. Juízo sentenciante condenou a parte ré ao pagamento dessa verba na forma do art. 20, § 3º, do Estatuto Processual Civil. De fato, a condenação, confirmada pelo col. Tribunal a quo, deu-se em 20% sobre o valor da condenação, e não da causa (fl. 115). Assim, não se vislumbra violação a esse dispositivo legal.
Quanto ao valor da verba honorária, também questionado no recurso especial, verifica-se que, com a fixação de novo valor de indenização, tem-se que, automaticamente, será feito o seu reajustamento. Portanto, tem-se como adequado o percentual arbitrado na origem (20%).
Diante do exposto, dá-se parcial provimento ao recurso especial, para alterar o montante indenizatório, reduzindo-o para R$ 30.000,00 (trinta mil reais), com a devida incidência de correção monetária, a partir desta data, e de juros moratórios de 0,5% ao mês até a entrada em vigor do Código Civil de 2002 e de 1% ao mês a partir de então, computados desde o evento danoso (19 de junho de 2001).
Custas e honorários advocatícios suportados pela recorrente, os segundos na proporção de 20% sobre o valor da condenação ora estabelecida.
É como voto.
Brasília, 15 de março de 2012 (Data do Julgamento)
MINISTRO RAUL ARAÚJO
Relator